domingo, 28 de novembro de 2010


Ele era esperto. A voz rouca, típica daqueles que já deixaram a puberdade, a seduziam por completo. Os seus ombros largos, seu cheiro suave e atraente, suas mãos moldadas para acariciar. Era isso que a enlouquecia. Era isso que fazia um sorriso sincero brotar em seu rosto, um brilho reluzir nos seus vibrantes olhos castanhos, e o balanço dos seus cachos tornar-se mais intenso. E ele sabia o quanto ela o fazia bem. Ela também sabia. Embalados pelo clima de romance tentavam esconder a paixão que existia por trás da amizade. Mas era totalmente notável aquela mentira. Não tinham como evitar as trocas de olhares e os sorrisos suspeitos. Era impossível esconder a atração, negar um beijo ou um abraço acolhedor. E assim, aos poucos, foram descobrindo um ao outro e o quanto isso os deixava felizes. Gostavam do cheiro de gasolina, e por esse motivo ele sempre a levava para abastecer o carro. Ficavam deitados na beira da piscina atribuindo formas às nuvens do céu. Ele tentou fazer com que ela gostasse de beber. Ela o incentivou a parar. Mas ambas as tentativas foram um tanto quanto em vão. Jogavam videogame às vezes durante tardes inteiras; na sinuca ela sempre ganhava e em todas essas vitórias ouvia diferentes desculpas esfarrapadas de um perdedor. Nas cartas ele trapaceava. Não para ganhar o jogo, mas simplesmente para deixa-la irritada. As guerras de pipoca e almofadas na sala de estar eram frequentes. Mas no final ela sempre fingia uma tontura repentina ou uma torção no pulso com a intenção de parar a brincadeira e dar o bote com cosquinhas. Tudo acabava em beijos estonteantes, e não em juras de amor eterno. Até que os ciúmes foram tornando-se um abismo entre os dois e tempos foram pedidos e concedidos inúmeras vezes. Entre idas e vindas havia tristeza, outras pessoas e uma sensação de que algo a mais podia ter sido feito. Mas nunca houve rancor. Não havia espaço em nenhum daqueles dois corações para mágoas e acusações. Embora não falassem sobre o que sentiam, ainda assim sabiam a grandeza daquele sentimento. Sabiam que nem mesmo a desconfiança tola que levava as discussões inúteis poderia destruir as recordações. Ele arrumou outra, ela arrumou outro... Ainda restaria o carinho mútuo e a cumplicidade do jeito de olhar, as frases incompletas porque já haviam sido compreendidas, as implicâncias com as unhas roídas e a ordem de cores das roupas no armário. E um dia ele partiu. Não teve de partir, pois poderia ficar. Mas decidiu partir. Deixou falar mais alto a vontade por outra pessoa, que ela tanto temia por querer para si. Deixou para trás qualquer tipo de culpa. Levou consigo o desejo de vida nova. Não houve despedida. Apenas o aviso, uma só pergunta, a dúvida da resposta e um longo abraço que parecia não ter fim. Porque o conforto daqueles braços fortes trouxe pela última vez a segurança incomparável que ela jamais encontrou nos braços de outra pessoa.

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